Sobre a Produção Fotográfica de um Antropólogo Angolano

Durante a guerra civil angolana (1975-2002), Ruy Duarte de Carvalho, um agrónomo de formação, torna-se realizador de filmes, e posteriormente antropólogo, professor e escritor. No início da década de 1990, durante as suas pausas académicas enquanto professor universitário em Luanda, Carvalho fez em várias ocasiões esporádicas trabalho de campo no sul de Angola.

Carvalho tinha já uma afinidade com a região, uma vez que tinha passado a infância em Moçamedes, nas décadas de 1940 e de 1950. No final da década de 1970 e início de 1980, na condição de funcionário público duma Angola recentemente independente, Rui Duarte realizou vários documentários e a única longa-metragem de ficção angolana falada numa língua vernacular africana.

Nelisita foi rodado em 1981 em colaboração com aldeias nas imediações de Chibia, na província da Huíla, com populações agro-pastorícias Ovamwila. A pequena equipa do filme trabalhou com câmeras então recentes de 16mm. Dela constava um fotógrafo que fez fotografia de cena e da rodagem a p&b de 35mm  – fotografou os décors e os actores.

© João Silva – fotografias da rodagem de Nelisita: narrativas nyaneka, 1981.

Ao longo da década de 1990, Carvalho fez pesquisa e trabalho de campo com os Ovakuvale, conhecidos como pastores transumantes que circulam ao longo do território do sudoeste. Ao longo de várias missões de trabalho de campo durante alguns anos, Carvalho produziu vários filmes 35mm a cor e a P&B com uma câmera compacta.

Uma selecção limitada dessas fotografias de campo foi publicada no livro Vou Lá Visitar Pastores(1997, Cotovia). Carvalho fez ainda outras selecções de imagens para mostra em duas exposições em Portugal (ie. Sem Rede, 2005, Coimbra; Dei-me Portanto a um Exaustivo Labor, 2008, Lisboa) dedicadas ao seu trabalho multidisciplinar.

Em Vou Lá Visitar Pastores as as imagens vêm impressas em dois tons (sem cor, nem escala de cinzentos) estando submetidas a um alto efeito de contraste. O efeito gráfico da opção tem afinidades com alguns dos primeiros desenhos de Carvalho.

Essa opção estética distingue-se radicalmente quer da fotografia etnográfica quer humanista de sujeitos, prácticas e contextos africanos.

Angolan anthropologist

A colecção fotográfica de Ruy Duarte de Carvalho

Cerca de 40 rolos de fotografia 35 mm, a cores e p&b, tirados ao longo das várias estadias para trabalho de campo com comunidades Ovakuvale, fazem parte do arquivo pessoal de Carvalho.

Para esta pesquisa, trabalhámos com o legado pessoal de Carvalho, e produzimos um dispositivo visual sobre a relação entre a produção fotográfica entre os Ovakuvale e o processo de selecção de Carvalho das imagens publicadas em Vou Lá Visitar Pastores.