Sobre a produção fotográfica de um etnógrafo missionário de origem alemã

Carlos Estermann (1889–1976) foi um missionário espiritano que esteve 50 anos baseado no Sul de Angola (1926–1976). Nascido na região da Alsácia alemã, antes desta se ter tornado uma região francesa, a sua facilidade em aprender línguas levou-o até África. Pouco após ter chegado à Mupa, uma missão católica interior no Sul de Angola, Estermann começou a desenvolver uma carreira como etnógrafo. Recorreu a manuscritos feitos por missionários que o antecederam para aprender a língua local, anotando as suas observações e as respostas obtidas por parte das pessoas que se encontravam perto de missões, bem como em visitas feitas a aldeias circundantes. Já durante a sua formação como missionário começou a absorver literatura existente sobre a região, sendo um ávido leitor durante toda a sua vida. Estermann começa por publicar em circuitos científicos internacionais (1928), e posteriormente no contexto português, tornando-se um autor prolífico, quer como cientista social, quer como comunicador de ciência, a par da sua produção de escritos missionários.

A colecção fotográfica de Estermann está actualmente em parte incerta. A sua produção fotográfica pode somente ser reconstituida a partir de vestígios deixados nas suas publicações que recorrem a imagens. Ainda que esta abordagem apenas revele parcialmente a sua produção fotográfica é igualmente reveladora do uso recorrente da fotografia pelo autor e da sua relação duradoura com o medium.

1935, Boletim Geral das Colónias, "Notas Etnográficas do Distrito da Huíla" [PT]: 17 imagens, não assinadas. (Heintze localiza fontes de algumas delas).

1935, Missões de Angola e Congo, “Conferência na Sociedade de Geografia de Lisboa" [PT]: 3 imagens, não assinadas.

1936, Bulletin de la Société Neuchateloise de Geographie, “Les Forgerons Kwanyama" [FR]: 4 fotografias, não assinadas (de Elmano Cunha e Costa).

1944, Portugal em África, “A festa de puberdade em algumas tribos de Angola meridional" [PT]: 5 fotografias, não assinadas (de C. Estermann).

Capas de quatro publicações nas quais, durante o inicio da sua carreira missionária em Angola, Estermann publica artigos com imagens. Este alinhamento cobre o período entre 1935 e 1944, e a sede destas publicações são Lisboa (a 1ª e a 4ª), Braga (Portugal) e Neuchâtel (Suíça); faz também a passagem entre o seu uso de fotografias de outros para o da sua produção.

Estermann começa a tirar as suas próprias fotografias de campo no início dos anos 1940. A sua relação com a fotografia e a produção científica no entanto começa mais cedo – em alguns dos seus primeiros artigos, utiliza fotografia de origens diferentes, sem referir a sua fonte. Depois de se tornar fotógrafo, o medium torna-se um dispositivo documental recorrente na sua escrita. Ao longo dos 50 anos que passa no Sul de Angola, Estermann escreve em publicações académicas internacionais em Inglaterra, na Alemanha e Suíça (em Alemão e Francês), e em publicações académicas, de cultura popular colonial e missionárias em Portugal e Angola. Publica também três álbuns fotográficos, dedicados a populações rurais na região. Em todos estes géneros usou fotografias de campo de sua autoria.

1946, Anthropos, "Quelques observations sur les Bochimans !Kung de l'Angola Méridionale" [FR]: 9 fotografias.

1952, O Apostolado, “Is there a primitive communism among certain tribes in Angola" [PT]: 2 fotografias.

1970, Álbum de Penteados, Adornos e Trabalhos das Muilas [captions: FR, PT, ENG]: 48 fotografias.

Capa de revista cientifica suíça, de magazine de cultura missionária e de álbum fotográfico nos quais durante a sua carreira missionária em Angola, Estermann publica artigos com imagens da sua autoria. Este alinhamento cobre o período entre 1946 e 1970, sendo a sede das revistas, respetivamente, na Suiça, em Luanda, e em Lisboa.

No início da década de 1950, altura em que Estermann já se tinha estabelecido como etnógrafo, com reconhecimento internacional, recebeu por parte do regime do Estado Novo (1933-1974) apoio financeiro para continuar a publicarA bolsa atribuída através da Junta de Investigações do Ultramar resultou na sua monografia em 3 volumes (1956, 1960, 1961), obra pela qual é hoje mais conhecido. Previamente a esse financiamento, Estermann recebeu ocasionalmente apoio por parte da administração colonial em Angola, nomeadamente através do Instituto de Investigação Científica de Angola. Teve também relações significativas com uma pequena comunidade científica estabelecida no Lubango, e com investigadores de passagem, ao longo dos 50 anos da sua estadia. 

1956, Ethnography of Southwest Angola, volume 1 [PT]: 99 fotografias.

1956, Ethnography of Southwest Angola, volume 1 [PT]: página.

1972, Etnografia e Turismo na região do Cunene Inferior [legendas: PT, ENG, FR, GER]: 40 fotografias.

1972, Etnografia e Turismo na região do Cunene Inferior [legendas: PT, ENG, FR, GER]: página [rapaz humbe, vestido de rapariga e com penteado adicionado].

Capa e página com imagem de duas das publicações mais tardias de Estermann, ambas publicadas através do Instituto de Investigações do Ultramar, Lisboa. As imagens contrastam no tamanho da sua apresentação. 

Pouco tempo após a morte de Estermann, em 1976, editoras internacionais publicam traduções em inglês e francês da sua monografia em três volumes, Etnografia do Sudoeste de Angola. À semelhança das edições em português (publicadas entre 1956 e 1961), estas monografias incluem centenas de imagens em pequenos formatos de impressão, como por exemplo 

a) retratos de pessoas classificadas como membros de grupos étnicos específicos, b) imagens de pessoas a desempenhar atividades específicas do quotidiano, tal como a pescar ou a produzir manteiga; c) fotografias de membros destes grupos em contexto de rituais específicos; d) fotografias de habitações ou de cultura material

1957, Ethnography of Southwest Angola, segundo volume [PT]: 151 fotografias.

O 1º volume de Etnografia do Sudoeste de Angola foi publicado em inglês em 1976, o mesmo ano da morte de Estermann.

A versão francesa do primeiro volume de Etnografia do Sudoeste de Angola data de 1977.

Capas de três edições da magistral monografia de Estermann, publicada em Portugal (1956-1961), nos EUA (1976-81) e em França (1977).

No início da década de 1970, Estermann escreveu, e usou fotografias de campo em artigos em publicações relacionadas com a administração colonial, ligadas a temas como o povoamento e turismo, duas políticas tardias do governo colonial português.

1960, Revista de Angola, 15-18, imagens de penteados com pequeno texto.

Em vida, Estermann teve um conjunto de homenagens, organizadas pela Câmara Municipal de Sá da Bandeira, atual Lubango, com o apoio da sua congregação. Alguns anos antes da sua morte, já em idade avançada, a Universidade de Lisboa atribui-lhe um doutoramento honoris causa, cerimónia que também acontecerá em Lubango.

50 anos no Sul de Angola é um ensaio audiovisual de 8 minutos feito no curso A Fotografia como narrativa fílmica, coordenado por Luis Mendonça e Luis Miguel Correira, na Universidade Nova de Lisboa. Janeiro de 2019.

Algumas provas impressas das fotografias de Estermann encontram-se dispersas em arquivos institucionais, tais como o do Arquivo da Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo (APPCMES), em Lisboa; no Smithsonian Institute, em Washignton DC, EUA; e no Museu Regional da Huíla, no Lubango, Angola.

Mais informações sobre as instituições que guardam algumas das fotografias de Estermann, encontram-se em fontes: arquivos e colecções.

Na secção “Visualizando Mobilizando Arquivos” produzimos conteúdos gráficos com o intuito de compreender visualmente a recorrência da fotografia no trabalho etnográfico de Estermann.